terça-feira, 14 de dezembro de 2010

21º Tróia - Sagres - 2010

Falar da mítica “prova” Tróia-Sagres implica necessariamente contextualizar! Perceber o porquê! Entender o espírito… e se assim quisermos ou nos dispusermos… mergulharmos nele!
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Corria o ano de 1990, um homem de seu nome António Malvar, decide provar a si mesmo, que fazer 40 anos de idade não era definitivamente “um entrar” na velhice! António Malvar decide superar-se a si mesmo cumprindo uma exigência física, que dificilmente estivesse ao seu alcance! Missão - Percorrer o trajecto de Tróia à Vila de Sagres, local este, onde costuma passar as festividades natalícias, recorrendo a uma bicicleta de BTT! Um trajecto com cerca de 203Km’s, num único dia!

Ano após ano, António Malvar, cumpre a Missão a que se propôs em 1990! Se nos primeiros anos realizou a conquista sozinho, pouco a pouco foram-se juntando adeptos da modalidade à sua “causa”! Nos últimos anos, são centenas os que se aventuram neste propósito de superação pessoal, provando a si mesmo que a idade é só mesmo um estado de espírito!

No ano de 2010, a 11 de Dezembro, realizou-se a 21ª Edição do Tróia-Sagres! Confesso, pessoalmente, que o cepticismo inicial me invadiu! Não me senti verdadeiramente motivado para “embarcar” nesta aventura! O benefício da dúvida fez-me pesquisar um pouco e entender melhor o propósito da “prova”! Com o aproximar da data… havia necessidade de tomar decisões! Após um 1º Treino Teste (específico) a 20 de Novembro… acabei por aceitar o desafio e acompanhar o comparsa FMike em mais uma aventura! Já vivemos algumas aventuras memoráveis na companhia das nossas bicicletas e esta, a realizar-se… seria certamente mais uma! Ainda bem que aceitei o desafio!

Citando A. Malvar “O Tróia-Sagres é apenas uma prova de superação do betetista.(…) não é uma Organização da Ciclonatur, nem é uma organização sequer. É tão somente o resultado de um convite que faço aos meus amigos para virem comigo fazer esta ligação por estrada com BTT [Bicicleta Todo o Terreno] e ajudarem-me a levar por diante esta minha obstinação anual... A bicicleta a utilizar é uma BTT, (…) caracterizada como tal por apresentar: quadro de BTT, guiador de BTT, roda 26 e apoios no quadro para cantilevers ou travão de disco. Tudo o restante é da livre escolha de cada um!”

Lendo o repto de António Malvar, fazer o Tróia-Sagres e “mergulhar” no “espírito” do Tróia-Sagres, para mim… só fazia sentido apenas e exclusivamente de uma maneira! A minha bicicleta de BTT, tal qual como está, iria tentar fazer a ligação entre Tróia e Sagres! Escusado será dizer que fui apelidado de muita coisa!... mas… afinal de contas o verdadeiro espírito da prova é ou não é a superação pessoal??? A decisão estava tomada e comigo também o FMike comungou (a algum custo) da ideia!! A nós juntou-se o Agnelo Quelhas que o ano passado já tinha demonstrado interesse em cumprir a mítica ligação! Um trio impecável para uma aventura memorável!

Realizei em companhia com o FMike e com o Agnelo Quelhas, 4 treinos específicos para esta ligação! Muito? Pouco? Suficiente… não sei! Existe a necessidade de haver uma regularidade na prática… e isso certamente não se adquire em 4 treinos. No entanto, o desconhecimento de fazer 203Km’s em bicicleta todo o terreno era comum a todos! Iríamos colocar à prova a nossa obstinação, a nossa capacidade de sofrimento conjunto, a nossa superação física e também psicológica… tudo em prol da busca da sensação única e indescritível de… chegar ao fim!

O meu 1ª Tróia-Sagres chegara… e o dia 11 de Dezembro 2010 começava bem cedo no Hotel Aqualuz Tróia-Mar, local onde pernoitámos e tomámos um lauto pequeno-almoço, amealhando energias para as primeiras horas do dia que se avizinhavam! O Sr. Joaquim Cabarrão também aqui alojado com a sua esposa, partilhou connosco bons momentos de convívio na véspera e início de aventura! 8:10 - Fotografia de grupo à porta do hotel… era hora de iniciar a odisseia Tróia-Sagres!

Devidamente equipados com as cores do BTT@Castelo Branco, saímos em direcção à rotunda do "ferry-boat" (local de partida “oficial” da prova), que se encontra a cerca de 4 km’s do hotel onde ficámos alojados. Desde a saída do hotel juntou-se ao nosso grupo o Miguel Cavaco, ex-atleta de BTT do Clube BTT Terra de Loulé, acabando por se adaptar perfeitamente ao nosso andamento, partilhando todo o percurso na nossa companhia até Sagres. Foi um bom companheiro de aventura, denotando uma humildade que me surpreendeu! Fiquei a gostar deste tipo!

As condições meteorológicas de início de jornada eram bastante agradáveis, com o céu limpo, alguma neblina matinal (passageira) e pouco vento. À passagem pela rotunda do “ferry-boat” notava-se, de facto, que era ali a grande concentração de betetistas, de muitos ciclistas e bastantes carros de apoio… e àquela hora (8:30) muitos já teriam partido rumo a Sagres! Os Km´s iniciais são permanentemente rolantes, óptimos para se fazer um bom aquecimento articular e… até mental! É a partir desta altura que devemos interiorizar o quão longa é a distância que temos pela frente… e logo desde aí manter a gestão física e mental muito equilibrada para assim poder contar com as adversidades mais à frente!

Optámos por fazer um trabalho de grupo ao longo dos Km’s… de modo a ir-mos racionando o esforço! Tínhamos treinado para isso! Avistámos grupos enormes de ciclistas… autênticos pelotões, grupos mais pequenos e individuais! Ultrapassar e ser ultrapassado é uma constante de todo o percurso. Arranjar um grupo com andamento idêntico ao nosso não foi fácil… optando por seguir sempre no ritmo que me era confortável, e que conheço ser capaz de manter durante longas distâncias! As bicicletas de puro BTT com pneu cardado eram raras, as “tunned” com pneu fino já eram em maior quantidade (o Agnelo e Miguel iam nesta modalidade)… no entanto a esmagadora maioria optara pelas asfálticas! Respeito… mas não é esse o espírito original da mítica Tróia-Sagres!

Como tem vindo a ser nosso hábito em distâncias maiores ou aventuras mais exigentes, efectuámos dias antes um estudo orográfico e respectivo plano de paragens para assim equacionar uma melhor gestão do repouso (breve) e da reposição de sólidos e líquidos. Quem me conhece sabe a minha exigência neste tipo de planeamentos! Entendo ser um “trunfo” essencial ao sucesso! O que se planeia é para cumprir… equacionando alguma excepção ou razão de força maior!

Delineámos a primeira paragem aos 50 Km’s, sem a presença de carro de apoio! Como planeado, parámos na Vila de Brescos no Café Arsénio (nome sugestivo!!) onde nos alimentámos e sorvemos o café matinal! Foi nos breves momentos que parámos que tive a noção da quantidade de gente que seguia rumo a Sagres! Um passar constante de gente a pedal! Não imagino o orgulho que o Sr. António Malvar sinta neste dia! Sagres ainda estava muito longe… mas o ambiente estava lá, o grupo estava coeso… tínhamos tudo para vencer!

O céu continuava limpo… mas o vento teimava em manter-se e por momentos intenso! Os Km’s continuavam a ser percorridos por nós… rolar, rolar, rolar! O nosso planeamento ditava uma segunda paragem ao Km 90 - Ribeira da Azenha, esta já com o nosso carro de apoio devidamente abastecido de comida e bebida! Uma desatenção por parte do Agnelo e do Fernando… fizeram com que não parassem neste local… parando apenas 10Km’s mais à frente! Vim mais tarde a saber que estavam hipnotizados por uma tal voz… surda… que ecoava nos seus ouvidos! Car-da-do… Car-da-do… Car-da-do!!! (Hehehehe!!!) Eu e o Miguel parámos no local correcto, abastecemos devidamente, e fizemos alguns alongamentos moderados! Sentia-me muito bem, estávamos quase na metade da meta do dia! Quase!

O vento… esse acabou por ser uma constante do percurso… e a par com a distância a percorrer, ser a grande dificuldade do dia. Nas zonas mais abertas e com pouca vegetação tornava-se penoso pedalar na cabeça do grupo, mantendo uma velocidade aceitável! Ao Km 124, depois de ultrapassarmos a penosa estrada para Sines (esburacada, irregular e trepidante) parámos em S. Teotónio… foi a nossa 3ª paragem! A voz… perigosa, em surdina, atacara nesta altura o Agnelo… Car-da-do… Car-da-do… Car-da-do!! O Miguel confessara que o fantasma “Homem da Marreta” já tinha aparecido atrás de algumas árvores… sorrindo, maliciosamente! Estávamos a entrar num período crucial do percurso! Havia necessidade de apelo a alguma dose de sacrifico! Estávamos lá para nos superarmos! Entre o Km 125 e 175 a orografia altera-se bruscamente! Surgem as subidas, algumas intermitentes, outras mais exigentes como a de Odeceixe e Carrapateira! O acumulado de Km’s associado a este desnível pode ser uma mistura explosivamente perigosa! Vinha convicto desta realidade e mentalizado para tal dificuldade. Sentia-me bem… começava a acreditar que a possibilidade de chegar a Sagres era cada vez mais concretizável!

A passagem pelo Rogil foi para mim o momento mais agressivo do dia! 149Km’s percorridos, recta imensa e um vento de sudeste avassalador! Circulava na frente e a luta era desigual! O vento soprou nesta altura mais forte que nunca e a velocidade baixou significativamente. Car-da-do… Car-da-do… Car-da-do… ouvi soar com brevidade ao meu ouvido! Não dei tréguas à voz, impus-me sem vacilar! Não me tinha submetido a este teste para ceder! A voz foi-se! Não a ouvi até final! Vim a saber que se tinha ido instalar sob a forma de cãibra na coxa direita (ou seria esquerda!?!?!) do FMike! Esta voz tinha de fazer das suas!

Aljezur, Km 154, 4ª paragem programada! As distâncias que separavam as paragens foram equacionadas para serem cada vez mais curtas… fácil de entender porquê! Não cair em desânimo e facilitar a recuperação para mais alguns Km’s! O cansaço físico começava a notar-se, mas os restantes 50 Km’s que faltavam pareciam escassos face ao que já ficara para trás! Fiz questão de o dizer mais que uma vez… se ninguém desistira até aqui… pois daqui para a frente também não era permitido pensar nisso! A voz… a dita cuja… calara-se, mas latejava na perna do Fernando Micaelo! Diga-se que foi bater à “porta certa”… um homem que sabe bem dar a volta ao sacrifico, obstinado e de mente forte! A dor podia lá estar… momentânea… mas a glória de terminar a odisseia Tróia-Sagres… essa estará lá… para sempre!!

Poderá parecer vaidosismo da minha parte, ou mesmo falta de humildade! Não é! Sentia-me francamente bem! A 5ª e última paragem do dia foi ao km 175, no cruzamento da Bordeira. O vento continuava forte e iríamos entrar numa zona particularmente difícil! A subida da Carrapateira não sendo nenhum calvário de subida, pode sê-lo ao fim de 170Km’s! Ultrapassado este obstáculo… era como que o Tróia- Sagres 2010 já estivesse no “papo”! As placas sinalizadoras da Vila de Sagres começam a aparecer e funcionavam como um estímulo imensurável! Já cheirava a Sagres!

Com 205Km’s parámos na placa de entrada na Vila de Sagres! Era este o momento pelo qual tínhamos ansiado! Tínhamos 4 Sagres para abrir em Sagres, festejando o Tróia-Sagres! Eeheheheh! Agnelo Quelhas, Fernando Micaelo, Miguel Cavaco e eu (João Valente) brindávamos à conquista! Nunca uma mini Sagres me soube tão bem como esta! Nunca!

No meio da emoção… restava-nos pedalar até à estátua do “Navegador”, o Infante D. Henrique, imponente na Praia da Mareta. Este km final fi-lo em introspecção! O que tinha sido o Tróia-Sagres para mim? De onde vinha a força que faz o ser humano superar-se? O Porquê de sentir as energias renovadas após tamanha “loucura”? Enfim… talvez caia no erro da repetição… mas nestas alturas sentimo-nos fortes, auto-estima implacável, capazes de tudo! Talvez seja esta a essência do ser humano… Talvez tenha sido isso mesmo que o Sr. António Malvar em 1990 procurou atingir! Eu consegui! Nós conseguimos!

Nós aos “pés” do Infante D. Henrique, e as nossas bicicletas aos nossos “pés”… contemplávamos o momento! Sem palavras… apenas emoções! Muiiiiito Bom mesmo! Terminar o Tróia-Sagres com “chave de ouro” foi mesmo abraçar o mentor do Tróia-Sagre! O Sr. António Malvar acabara de chegar à Praia da Mareta, terminara mais uma edição. Estava ali… perto de nós! Uma fotografia para a posteridade… nós e o Pai do Tróia-Sagres! Excelente!

Em maré de conclusão (que isto já vai longo demais!!!) deixar aqui 2 agradecimentos muito sinceros e imprescindíveis de serem feitos!

- Amigos de Aventura (Agnelo Quelhas, Fernando Micaelo, Miguel Cavaco), sozinhos seria muito mais difícil, senão impossível terminar com sucesso. Juntos fomos a força, fomos a vontade e a obstinação de chegar! Obrigado por terem partilhado comigo esta aventura;

- Os incansáveis do nosso veículo de apoio (Céu Micaelo e Eduardo Micaelo)… sem eles é que era mesmo impossível! Eles fazem parte fundamental do nosso sucesso! Cumprindo as paragens, alimentando, dando de beber, divertindo, animando! Céu e Eduardo… Muito Obrigado!

Amigos… “Há 3 coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida!” Ainda bem que não deixei fugir esta oportunidade! Em 2010 fiz 30 anos de vida (sou um jovem!)… cumpri o meu 1º Tróia-Sagres! Apenas peço Saúde AQUELE que me guia no dia-a-dia para que no ano 2020, com 40 anos possa cumprir o 2º Tróia-Sagres! Até lá… havemos de nos ver por aqui!
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Dados do Tróia-Sagres 2010:
Distância: 206 km (desde o Hotel Aqualuz Tróia-Mar)
Tempo de travessia: 7:51:00 h
Velcidade Média: 26,12 km/h
Acumulado de subidas: 1320 m
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João Valente

6 comentários:

Agnelo disse...

Muito bem! Uma aventura idealizada com dedicação e relatada com paixão. É assim que se deve orientar a vida, porque de cá só levamos as experiências que vivemos, tudo o resto fica para trás.
Obrigado pela tua companhia e, claro está, a do Mike.
Abraço
AQ
PS: 2020 ??????? Não ias fazer em 2011 de asfáltica??? Foi o que disseste no jantar! hehehehe

JValente disse...

Não ponhas palavras na minha boca! "Maldizente"!

Varadero disse...

Que agradável momento de leitura...

Parabéns ao vosso feito.

Sé esta prova não coincidisse com os anos da minha filhota, um ano destes até vos fazia companhia na minha bicicleta de duas rodas (a motor) hi hi assim sempre servia de assistência rápida ou até para cortar o vento e claro tirar umas fotos.

Joaquim disse...

Eu tambem ouvi que no proximo ano lá estariamos com roda 700x23.
Abraço
Joaquim

FMicaelo disse...

Boas! Mais uma vez, o meu compincha de aventuras, esmerou-se no relato. Excelente reportagem! E as fotos do AQ, sempre ao melhor nivel! Foi mais uma saudável "loucura", fazer este trajecto em BTT puro e duro, mas como o "pai" salienta, isto é uma mitica de superação do beteteista! E mais uma vez para mim foi concluida com exito, apesar das "cabras" que fizeram questão de me acompanhar... bateram na porta errada, pois dei-lhes poucos ouvidos! A registar para a posteridade, a boa companhia destes 3 companheiros de aventuras - JV, Agnelo e Miguel, assim como o incentivo sempre presente do amigo Joaquim e do AC que nas suas asfalticas tambem atingiram a ponta de Sagres... Em 2019 tenho de voltar (50 anos!) Espero que esta malta me torne a acompanhar!

JValente disse...

Boas a Todos

Agnelo Quelhas - Só quando metemos "paixão" naquilo que fazemos é que as inicitaivas fazem sentido! Esta aventura foi assim que funcionou! Foi óptimo estar contigo nestes "3" dias!

Nuno Maia (Varadero) - Fico contente por ter contribuido com "um bom momento de leitura"! É fácil escrever assim quando o objectivo é partilhar um pouco daquilo que vivemos! É este o intuito do blog! Receber comentários como o teu é sempre agradável!

Joaquim Cabarrão - No próximo ano darei força a quem se fizer à estrada rumo a Sagres! Mas... o João Valente não fará essa ligação! 2020... com os míticos "40 anos" se ainda andar neste mundo das bicicletas, tentarei pela 2ª vez lá chegar. E claro... sempre com a minha BTT! CAR-DA-DO... CAR-DA-DO!

Fernando Micaleo - Que dizer... é mais uma (grande) aventura que partilhamos neste mundo das bikes! Já são umas quantas memoráveis! Conto contigo e com a tua roda para outras tantas no futuro! 2020... se tudo correr pelo melhor e a sáude assim o permitir lá levaremos os cardados até Sagres! Mas... até lá muito haverá para viver!

Um grande abraço a Todos
Obrigado pelos vossos comentários!

João Valente